segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Continuação...Comunidade Quilombola em Sergipe


A república, não só em Sergipe, conserva a institucionaliza o preconceito do negro, calunia o trabalho manual, doutrina sobre a inferioridade do homem de cor inferioridade que, biológica e historicamente, não é da raça, mas da escravidão. (FIGUEIREDO, 2001 P.229).

Os negros ficaram jogados ao léu, ou seja, à própria sorte, sem nenhuma condição de emprego. Se o Brasil fosse justo daria o direito dos negros terem suas terras para sua própria subsistência.

Mas a luta dos quilombolas é luta contra a injustiça e a intolerância, luta que o fazem também reivindicando um direito que lhes é negado, no primeiro momento, mas, que é seu de direito. Sua reivindicação pelas terras continuou após mais de cem anos do fim do sistema escravista e permanece nos dias atuais.

O movimento negro em Sergipe, como no Brasil, tem início em meados dos anos 80, recheado de disputas e conflitos entre militantes e entidades. Além disso, deve-se levar em conta também a pequena visibilidade da questão negra racial em Sergipe. (NEVES,2000).

O fato é que há divergência no seio do movimento negro sergipano. Na verdade, esta disputa entre os movimentos é decorrente por diversas clivagens, seja em razão de formas diferenciadas e organizacionais para ocupar o espaço público, seja, ainda, por questões de cunho político, ou, pura e simplesmente, por problemas de ordem pessoal.

O movimento negro remete ao conjunto de organizações de negros lutando de forma explícita, para transformar as representações sociais sobre os afro-brasileiros no país, quer seja através da ação política, ou da ação cultural.(NEVES, 2000).

Tendo isso em mente, faz parte do movimento negro toda organização que tenha como finalidade de ação o combate ao racismo e aos mecanismos de exclusão sócia - econômica e política dos negros; ou ainda que tenha como projeto a valorização da cultura e da dignidade dos descendentes de africanos no país.

Segundo Neves, os militantes afro-sergipanos, em sua grande maioria, estão implicados em uma estratégia que consiste em criar uma identidade negra excludente, que coloque em xeque outras identidades (sejam elas de cunho nacional, regional, de classe ou de gênero). Ser negro nesta concepção é não ter outra identidade, é ser 100% negro, 24 horas por dia.

No estado de Sergipe, foram encontradas várias entidades do movimento negro, porém, as cinco mais estruturadas e mais atuantes, são:

SACI - Sociedade Afro – Sergipana de Estudos e Cidadania, a qual atua como uma ONG e é, certamente, a organização negra mais bem estruturada e legitimada do Estado, tendo suas atividades marcadas por grandes projetos ligados à questão racial, profissionalizante e de valorização da cultura negra; a Cooperativa Lélia Gonzáles; o Axé Ilê Oba; o Grupo Cultural Quilombo; a Casa de Cultura Afro-Sergipana, a qual foi a primeira das Associações de Sergipe a discutir as relações raciais e o movimento negro unificado articulado em Sergipe em meados de 1999, a partir de contatos entre militantes do MNU de Salvador com militantes negros de Aracaju.(SACI, 2007)

Foi principalmente com a Constituição Federal de 1988 que a questão quilombola entrou na pauta das políticas públicas. Fruto da mobilização do movimento negro, o Artigo 68 do Ato da Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) diz que:

“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”.° a saber:

O Decreto nº 4.887, de Novembro de 2003 regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,°a saber:

Art. 2º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

Art. 3º Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Art. 4º Compete à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir os direitos étnicos e territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos de sua competência legalmente fixada.

Art. 5º Compete ao Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares, assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como para subsidiar os trabalhos técnicos quando houver contestação ao procedimento de identificação e reconhecimento previsto neste Decreto.

Art. 16. Após a expedição do título de reconhecimento de domínio, a Fundação Cultural Palmares garantirá assistência jurídica, em todos os graus, aos remanescentes das comunidades dos quilombos para defesa da posse contra esbulhos e turbações, para a proteção da integridade territorial da área delimitada e sua utilização por terceiros, podendo firmar convênios com outras entidades ou órgãos que prestem esta assistência. Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares prestará assessoramento aos órgãos da Defensoria Pública quando estes órgãos representarem em juízo os interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos do art. 134 da Constituição.

Assim, a Constituição Federal reconhece e assegura a propriedade definitiva aos quilombolas, além de compelir o Estado à emissão dos títulos. Interessante ressaltar o fato de a Constituição referir-se aos que “estejam ocupando suas terras”, o que sugere a plena legitimidade dominial a favor das comunidades quilombolas, ficando-lhes garantidas as posses e propriedades.

Para efetivar o que prevê o Art.68 do ADCT da Constituição Federal, coube à Fundação Cultural Palmares corporificar os preceitos constitucionais de reforços à cidadania, à identidade, à ação e à memória dos segmentos étnicos à cultura e a indispensável ação do Estado na preservação das manifestações afro-brasileiras.

O artigo 215 da Constituição Federal de 1988 assegura que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais populares, indígenas e afro-brasileiras, e de outros participantes do processo civilizatório nacional”.

Conforme a Fundação Cultural Palmares fórmula e implanta políticas públicas que têm o objetivo de potencializar a participação da população negra brasileira no processo de desenvolvimento, a partir de sua história e cultura.

No Estado de Sergipe, até hoje, foram identificadas, 44 comunidades Remanescentes de Quilombos dessas foram reconhecidas 15, titulada apenas 1 e em fase de reconhecimento 29. Sem sombra de dúvidas, os quilombos existentes em Sergipe, que mais se destacam cada um com suas particularidades e características próprias são: o Mocambo, situado em Porto da Folha; e Lagoa dos Campinhos, localizada em Amparo do São Francisco, ambos com históricos e situações bastante interessantes e semelhantes. Já a Maloca, em Aracaju, por ser a primeira comunidade quilombola urbana do Estado e a “Serra da Guia”, em Poço Redondo, pela luta constante da parteira, Zefa da Guia. (INCRA, 2007).

A comunidade quilombola Mocambo, a única comunidade quilombola titulada no Estado, está localizada em Porto da Folha (SE), à beira do São Francisco, Formada por 113 famílias negras estabelecida numa área de 2.100,54 hectares, teve seu início de luta após a década de 1960, quando as duas fazendas vizinhas ao atual Mocambo passaram das mãos de Luis de Seixas para as de Totonho de Dória, pai do ex-proprietário, Seixas Dória e este deixou de oferecer o tradicional trabalho de “meia”, no plantio do arroz e outros gêneros alimentícios que geralmente complementava as atividades do ano.

A família que se diz proprietária inicia, então, uma ação de despejo e as famílias de Mocambo passam a ser submetidas a sucessivas expulsões, várias vezes operadas por força armada conjunta de jagunços daquela família e soldados da delegacia de Porto da Folha, além de serem assediadas constantemente por pistoleiros°. Em conseqüência disso, em 1994, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), respaldada no "Artigo 68", entra com um pedido de reconhecimento daquelas terras como terras tradicionais de remanescentes de quilombos.

O interessante, no entanto, é que a área reivindicada pela comunidade acompanha o formato e se mantém fronteiriça à área Xocó, com os quais mantêm relações de parentesco, trocando dias de trabalho, terras de cultivo em épocas de seca ou de cheia.

Segundo relatório do INCRA, quando em 1986 a partilha é resolvida, essas terras são divididas entre três herdeiros, ficando a sua filha Neuza Cardoso com o trecho de dois quilômetros mais próximos ao rio. Exatamente o trecho sobreposto com o último sistema de lagoas de várzea de que a comunidade do Mocambo dispunha para plantar e que após esta divisão as famílias ficaram impedidas de cultivar a cultura.

Em 1992, Neuza Cardoso volta a propor ás famílias a plantar arroz na lagoa pelo sistema de “meia”, mas sem os mesmos direitos de antes garantidos. Agora também nem todas as famílias eram aceitas e havia uma tendência a reduzir o número de meeiros, impedindo assim que alguns velhos, já sem condições de executar as tarefas, transferissem este direito aos filhos. Mas, mesmo sob estas condições, foi feito o preparo de solo da lagoa e plantado o arroz. Iniciada a preparação da colheita foi quando estourou o conflito entre os Xocó e a fazendeira Neuza Cardoso.

Após esse conflito a proprietária propôs um acordo entre as famílias do Mocambo para indenizar a cultura do arroz.

Como não houve acordo, a proprietária deu caso por encerrado e colocou o gado dentro do arrozal. Neste momento teve início ao processo de mobilização do Mocambo, através das famílias prejudicadas no conflito, que busca ajuda do Sindicato dos Trabalhadores Rurais - STR e da Comissão Pastoral da Terra – CPT, que após vários anos culminou com o reconhecimento da comunidade como remanescentes de Quilombos.

O Mocambo tem suas particularidades por estar situado às margens do Rio São Francisco. Além disso, vale ressaltar a significante quantidade de famílias que sobrevivem da pesca artesanal, extraída do rio, onde existe ainda, como alternativa econômica, a agricultura de subsistência explorando a cultura do milho, feijão, fava, mandioca entre outros.

A cultura do arroz anteriormente muito explorada, foi erradicada por conta das barragens das hidroelétricas, e consequentemente a falta de um sistema de sucção da água para suprir as lagoas. Entretanto sua principal base econômica é a exploração pecuária da bovinocultura e caprinocultura, além de pequenos criatórios de avicultura e animais de serviço como o cavalo, o burro e o jumento.

A população de Mocambo é atendida por um médico, que atende em média duas vezes ao mês. Há na comunidade um agente de saúde, contratado pela prefeitura, para executar o diagnóstico e ação preventiva na área odontológica, oftalmológica e clínica geral. A educação local conta com uma escola estadual, funcionando em dois prédios distintos, totalizando cinco salas de aula. Quando os alunos atingem o ensino fundamental, grande parte deixa de estudar em virtude de não existir ensino regular na comunidade, nem tampouco meio de transporte para conduzí-los a um centro que ofereça tal condição.

As manifestações culturais que atualmente o povo do Mocambo vem praticando são as de caráter folclórico, a exemplo de: Reisado, Dança de Coco, Teatro, Capoeira, entre outros. O artesanato é considerado outras fonte de renda dos quilombos, apesar de ser ainda uma atividade pouco explorada pelas famílias, devido à falta de incentivo e programa de crédito para implementar esta ação na comunidade. Hoje as mulheres da comunidade desenvolvem o bordado e crochê.

A produção do quilombo tem como mercados consumidores, a própria comunidade e as cidades circunvizinhas, a exemplo da sede do município, Porto da Folha, com outras vizinhas, Monte Alegre, Nossa Senhora da Glória e Pão de Açúcar/AL.

A segunda comunidade destacada nesse estudo é a comunidade Lagoa dos Campinhos que tem seus conflitos meramente, similares ao do Mocambo.

Há cerca de 200 anos, os remanescentes de quilombo dos povoados, Pontal, Crioulo, Serraria e Lagoa Seca, situado à margem direita do rio São Francisco, no município do Amparo de São Francisco, no Estado de Sergipe, trabalhavam para as famílias do latifundiário João Brito. Naquela época, essas famílias exploravam a Lagoa dos Campinhos naturalmente, como instrumento de dominação e exploração das comunidades negras situadas na região. Essa dominação e exploração eram possíveis graças à manutenção, há cerca de 100 anos, de um recurso natural: a lagoa, como propriedade privada.

As famílias pescavam, peixe, utilizando seus instrumentos e a sua força de trabalho e ainda eram obrigadas a dividi-los com os ditos proprietários. O mesmo acontecia com a exploração da cultura. Os quilombos eram obrigados a entregar aos fazendeiros parte da produção como forma de pagamento pela utilização das terras. Apesar de toda essa subserviência, a convivência era pacífica.

No final do ano de 2002, essas convivências deu lugar a um conflito pelo direito de uso da várzea da lagoa, quando um dos fazendeiros, querendo expandir a plantação de arroz e usufruir sozinho a lagoa natural dos Campinhos, resolveu arbitrariamente interromper a entrada das águas e passou a drená-las totalmente, causando a morte de milhares de peixes e, consequentemente, provocando a fome de centenas de pessoas que tinha a lagoa como principal fonte de sobrevivência e renda.

Este fato fez com que a população dos quatro povoados, de forma organizada, através de grupos, promovesse diversas manifestações reivindicando o reconhecimento da área da várzea para os remanescentes da comunidade do quilombo da Lagoa dos Campinhos. Iniciaram esse processo no inicio de 2003, quando encaminharam a denúncia junto ao IBAMA, em Aracaju, solicitando providências no sentido de promover uma ação contra o fazendeiro que praticou o esvaziamento da várzea, gerando a morte de todos os peixes da lagoa.

A segunda ação do grupo foi a de encaminhar uma representação no Ministério Público Federal e a Procuradoria da República no Estado de Sergipe, solicitando providências para cobrir aqueles crimes. Tais requerimentos desencadearam uma ação promovida pelo Ministério Público Federal, a qual culminou com a abertura das comportas que a lagoa voltasse a ser cheia pelas águas do Rio São Francisco, e consequentemente, cheias de peixes, bem como, o domínio passou para a comunidade.

Paralelamente a esta luta pela sobrevivência da lagoa, foi dado início a um processo de reconhecimento da comunidade como remanescente de quilombolas junto á Fundação Cultural Palmares, fato que ocorreu em abril de 2004.

A Maloca, a terceira comunidade em questão, surge no meio urbano. Localizada no bairro Cirurgia, na área central de Aracaju, a comunidade, formada por cerca de 70 famílias, teve seu reconhecimento oficializado pela Fundação Cultural Palmares em 07 de fevereiro de 2007.

Com o título de reconhecimento obtido, Maloca tornou-se no primeiro quilombola urbano do estado de Sergipe, passando a integrar um grupo formado por outras comunidades remanescentes que estão sendo beneficiadas com ações de desenvolvimento sócio-econômico e cultural empreendidas pelo Governo Federal. Com longa tradição em ações de prevenção e valorização da cultura negra, as famílias de Maloca, são mobilizadas por uma organização não-governamental – ONG, chamada de Criliber – Criança e Liberdade, que promove ações educativas de valorização ética e promoção da cidadania entre estudantes da rede pública de ensino e jovens de comunidades remanescentes de quilombos do Estado.

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