segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

ZEFA DA GUIA: PARTEIRA QUILOMBOLA


Em 1999, Dona Josefa Maria da Silva, Dona “Zefa da Guia” aparece em rede nacional de televisão destacada pelas suas habilidades de parteira. A matéria gerou curiosidade. Quem seria a mulher que teria feito mais de cinco mil partos? Onde e como ela vivia?

Ainda adolescente, aprende a prática no improviso da necessidade, é um dos saberes que recebe de herança de sua mãe. Os partos que realiza ajudam a diversas mulheres que não podem chegar ao atendimento hospitalar.

Segundo Dona Zefa sua primeira percepção de ser parteira foi ao onze anos de idade, quando assistiu a sua mãe realizando um parto sofrido de uma jovem de quarenta e cinco anos que tinha ingerido bebida alcoólica, complicando assim o nascimento do bebe. E desde então, sentiu que deveria ajudar as mulheres a dar a luz, e vem realizando partos, tanto na própria comunidade quanto nas cidades vizinhas.

Quando Dona Zefa iniciou como parteira não havia, no povoamento, casas de alvenaria. Morando em barracos de taipa cobertos de palha de licuri, as parturientes geralmente tinham os filhos em uma cama feita com vara, da mesma forma em que a personagem também teve os seus. E embaixo da cama colocava uma cuia para aparar os “restos de parto”.

Há cerca de quarenta anos as crianças que nascem na Guia são aparadas por Josefa Maria da Silva – “Dona Zefa” como carinhosamente é chamada, com 63 anos de idade Parteira e madrinha de mais de mil crianças. Zefa já realizou inúmeras e incontáveis partos em diversos lugares do Estado de Sergipe. Quantas crianças vieram ao mundo em suas mãos, sem alardes e sem problemas. Até hoje contabiliza cinco mil partos. Em algumas regiões viagens a pé, a cavalo, em pequenas embarcações, por estradas, por rios ou no meio da mata. Às vezes, devido às dificuldades de locomoção, passavam vários dias na casa da parturiente, à espera da hora do parto. Rezando implorando a proteção dos santos, de Deus e de Nossa Senhora ou até mesmo cantando para as pacientes canções de estímulo e de conforto.

Além de auxiliar o nascimento, Zefa abastece a casa da parturiente de tudo que é necessário e, se falta alimento, tira do seu próprio sustento. Ajudando no cuidado com a criança. Assiste à mãe após o parto, observando sintomas e orientando sobre registro de nascimento e vacinações.

Mas Dona Zefa também é uma mãe de 5 filhos criados, 8 gerados, sendo que 3, já falecido, 18 adotivos, 37 netos e dois mil e setecentos afilhados batizado na igreja, o que lhe concede maior sensibilidade e compreensão para com a mulher na hora de dar à luz. Exerce outras funções, além da assistência ao parto, trabalha como líder da sua comunidade, orientando seu povo na labuta do dia-a-dia.

Parteira sem grandes pretensões econômicas doa o seu tempo à mulher que está parindo. Seu tempo é livremente dedicado ao parto. Em sua sabedoria inata não têm pressa, pois sabem que é prudente observar a natureza e deixá-la agir. Não se preocupa com conta bancária que precisam “engordar". Está ali cumprindo uma missão e a mãe é o centro de suas atenções. É confidente, humilde, corajosa, paciente, compreensiva e amorosa.

Esse dom de parteira não teve nenhum aprendizado formal, institucionalizado, o que não diminui, a importância desses trabalhos. Ao contrário, o repasse do saber e do fazer, antes de representar apenas a realização de um fim prático, viabiliza que o aprendizado sirva como mecanismo de difusão de conhecimento entre as gerações.

Além de parteira acumula também a função de rezadeira. Recebe diariamente pessoas de várias idades e regiões que vão em busca de suas rezas. Está sempre á frente para tratar dos interesses da sua comunidade. Domina ervas, orações, o discurso, os contatos políticos e sobrenaturais.

Com um espaço próprio para este fim, agregado em sua casa, Dona Zefa aplica aos enfermos aos enfermos as palavras de conforto. Compenetrada. Geralmente agrega ás palavras aos movimentos com as mãos, fazendo o sinal da cruz sobre o paciente. Algumas rezas são ditas em voz alta, outras através do balbuciar dos lábios. A depender do problema de cada individuo as rezas podem ser aplicadas coletivamente, e outras seguem regras apropriadas.

Em alguns casos as rezas são acompanhadas de um receituário no qual são aconselhados chás, banhos, infusões, garrafadas, defumadores, pagamentos de promessas e advertência sobre o que pode ou não fazer no período de tratamento.

Dono Zefa contempla seus conhecimentos específicos com as ervas e os efeitos de varias plantas, como também conhece as partes que podem ser utilizadas, a formar de preparo, quem e quando pode ingerir, e os respectivos resguardos.

A presença dos curandeiros foi ao longo do tempo não só em Sergipe, mas no Brasil, de maneira geral, uma combatida, sobretudo, por considerá-los charlatões e acusá-los de praticarem ilegalmente a medicina. Sobre o fato observa-se a descrição de DÉDA; 2001. p.45)

Os remédios de mato têm cumprido um papel fundamental à existência humana na Serra da Guia. As ervas têm proporcionado alívio para aqueles que dela precisam.

Sobre as práticas abortivas são condenadas pela parteira e por grande parte das mulheres da comunidade. Aconselhado-as aplicação dos procedimentos contraceptivos como, por exemplo, associar ciclos lunares ao período de abstinência dos casais. Evitando assim uma possível gestação não desejada.

As atribuições a Dona Zefa, são inúmeras, atualmente, a organização das festas religiosas da Serra ficam por conta da mesma, que receber a incumbência do seu sogro. E também conta com o apoio de alguns moradores mais antigos da comunidade.

Uma das suas funções, por exemplo, é engordar um pouco para servir durante o período festivo, que era composta por nove noites, mas por conta de poucos recurso, esse número foi reduzo.

A festa da promessa é assim denominada por ser resultado de uma graça alcançada pela própria, Zefa, ocorre há trinta anos, também no topo da serra, bem como a da Santa Cruz.

É interessante ressaltar que essa celebração original da graça alcançada e da vontade individual, irradiada para os demais moradores da comunidade Serra da Guia. Em sua própria casa, instalou-se um santuário, onde acontecem às novenas, após nove dias de novena ocorre à procissão até o topo da serra, onde o acesso não é nada fácil, uma vez que o trajeto é cheio de cactos e o terreno é íngreme. Mesmo assim as pessoas sobem levando pedras em sinal de sacrifício.

Através do ofício de aparar crianças, Dona Zefa antes mesmo de desapertar o interesse de grande público, segurou em suas mãos cerca de duas gerações. A história de vida dessa personagem, associada com a de sua família e amigos, representa um quadro geral sobre a formação da Serra da Guia, a de Poço Redondo e a da região de maneira geral.

Autora: Sebastião, Juliadna dos Santos. Zefa da Guia: Um vídeo reportagem sobre a parteira quilombola. Monografia (graduação) – Universidade Tiradentes, 2007.

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